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Archive for the ‘Contos’ Category

De volta aos concursos literários.

Este pequeno texto participou da seletiva de um concurso promovido  pela Revista BRAVO. Infelizmente, não logrei êxito; no entanto, divido com você meu interesse pela obra de Arenas.


Responda a pergunta:Qual história real de guerra você conhece?

” Os originais, não sabia onde colocá-los. Pensou em destruí-los, pensou na prisão. Mas ele viu o telhado. Subiu na cadeira e colocou-os debaixo das telhas carcomidas. Escondeu-os, mas sabia que da França eles partiriam para o mundo. Sua história, sua vida revelados. A perseguição era ideológica, era a guerra de idéias. O Estado o considerou um revolucionário; gay; um poeta, um escritor. Sua luta não era somente em ser aceito; havia uma dimensão contestatória do sistema castrista. Sendo assim, as tertúlias eram proibidas- malfadadas reuniões conspiratórias. Mas a sua luta era mais complexa, mais longínqua; tinha a ver com seu sexo, com sua libido. Por não acreditar nos ideais vindouros da revolução cubana –antidemocráticos-, viu-se preso, torturado por uma guerra que não o entendia. Arenas muda o nome. Persona non grata e gay. Foge da prisão física. Liberta-se. Publica seus levantes, mas a vida lhe aprisiona na impossibilidade imortalidade. A AIDS lhe sentecia a morte ANTES QUE ANOITEÇA.

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The way it used to be

Hoje chorei bastante porque não me restava a alternativa de uma faca ao peito. Pois dói as duas coisas contundentemente pelo fato de subsistir o amor.  – Mas como canto esse amor em rimas de dor?- pergunto sem a menos intencionar um diálogo. Sou eu apenas. Talvez tenha a ver com culpa, mas de nada ela serve; só empresta um falso fundamento a tudo que quero dizer. E ainda não consigo dizer nada porque como posso falar de amor se desisti de tudo; de toda a segurança do amor; de toda a retribuição que possa existir. E insisto que não é um diálogo. Porque não quero suas respostas, caro amigo. Apenas desabafo com o peito ainda em soluço pueril, olhos vermelhos e revolta indigna.

“As coisas como estavam” é assim que a música repete e de quem mais gosto que me entende ao ponto de caber como luva, sem importar a distância e ignorar-me por completo. Mas é nisto que está a magia da boa música. “Then and there my life made sense, you were the evidence”, mas se não for apenas esse momento de arrependimento, os outros de putaria me dão outro sentido de vida, até que encontre de novo o vazio das noites chuvosas de domingo. Deixo a dor se repetir e a rima encravar-se como a faca que não existe.

Tento cantar mais triste; mudo o tom para secar as lágrimas e ainda continuo o mesmo. Mas o tempo vai passando. Troco as músicas e elas começam a falar de outras coisas mais cinzas, mais tristes. Ainda assim, detenho-me na letra confusa e na indecisão de meus sentimentos. Tudo para entender esse novo sentimento de tempo passado e vejo que as lágrimas secaram e os olhos requerem um pouco de vinho na garganta. – Será que o ritmo se repete?

Parei de escrever porque ainda procuro ressignificar algumas coisas, pois tudo era dois de alguma forma estranhamente harmoniosa; depois vieram três; depois quatro e de alguma forma a desarmonia se fez. Mas então, tem-se a saudade das coisas dividas e especialmente aquele abraço bem antes de o sono vir. E vêm as músicas tristes, e o choro desandou. Nada proposital. E por mais que nos sentimos fortes, as lágrimas são frágeis, tolas, fracas e caem. E sem faca, e sem soluções, nem soluços agora, continuo a escrever e sentir que certa forma a dor recrudesce naturalmente. Seja lá qual for o tipo de dor.

16 de outubro de 2009

É um leve desespero; o mesmo que enche o peito do suicida

É doce também como última colherada provando o sabor das coisas

E ainda assim parece com todo tipo de assunção de crime, qualquer um

Mas a noite passa da mesma forma que a música acabou

É um convite às avessas para continuar a empreender o edifício

Desisto do arquiteto, do fundamento, da obra final…

Vem a semente e edifica tudo, verdes, plantas, edifícios

Quem precisa de medidas para as coisas?

O arquiteto não inventou a felicidade apenas a obra

Não há nada de divino nesta busca de complemento

É um leve desespero que aumenta quando se acaricia

E quando existe não há quem administre

É doce como o último momento de duas sombras

Mas agora é apenas uma alma vagando pelas ruas.

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Azadas palavras do momento

Do rodopio de antes, dei um passo para trás. Não havia mais dúvidas. Daquela caixa de mágicas, não poderia mais sair felicidade. É pura a falta de senso, de rumo. É assim que sinto seguindo meus passos para trás. Não há como intervir, não há mãos, preces, milagres. Não olho para o caminho que ficou nas costas.

Administro a culpa católica de ver pecado na devassidão, na boemia, na cachaçaria de minha solteirice. São apenas fases- todos já viveram e visitaram as paredes úmidas do poço. Todos gritaram de lá, ecoando a solidão; e ainda assim percorreram seus caminhos. Sem culpa. Apenas como o estágio necessário. É necessário.

O ócio do pensamento ativo dá uma conotação de senso perdido. Porém nunca andei tanto com meu carro; pra cima e pra baixo, adquirindo certo conhecimento da natureza. Banho de sol sozinho. Talvez uma manhã irresponsável, sem nenhuma obrigação da parceria. Mas não é o que me dá o tesão de agora. São tantas outras besteirinhas. Sou forte. Sou bonito dentro do meu esconderijo. E tudo aquilo que um flerte dividido sem culpa, nem obrigação, senão do sorriso de um gozo contido. Nada mais. Podem, depois, vir os braços, as pernas…

Eu era um estorvo removível, que de pronto, por minha própria vontade, retirei-me de uma trilha linda cheia de tulipas verdes e violetas. Como no quadro pintado repleto de história comum. E então, saí como a tinta que retira uma ou duas tulipas. Elas se vão e ainda assim subsiste a beleza do inteiro. Sou inteiro na metade que me cabe e na falta que me complementa. E, por incrível que pareça, desisti desta completude filosófica. Estou somente eu e meus caminhos, com tudo que vier pelas estradas coloridas.

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Existe uma estética homossexual?, BRAVO! n° 144

A Revista BRAVO!,n° 145, publicou minha crítica acerca da Estética Homossexual na Literatura:

A matéria da edição agosto sobre a estética homossexual ( Existe uma estética homossexual?, BRAVO! n° 144) baseia-se no sofisma da homossexualidade como personagem da psicologia do séc. XIX e restrita àquela estética histórico-cultural. Pois bem, a matéria assinada por José Castello limitou-se a análise enclausurada sob o estigma da homossexualidade ainda tomada como algo doentio. Seria injusto falar numa estética homossexual quando esta não pôde ser vivida na plenitude e sim na doença de seus inquisidores…

…A experiência de Gide é reveladora por conta de sua abordagem, mas se ele não vivesse na atribulação do medo e do pecado, sua Literatura, bem como as dos outros citados, suplantariam qualquer estética de conotação heterossexual.

Veja a crítica na íntegra:

A matéria da edição agosto sobre a estética homossexual baseia-se no sofisma da homossexualidade como personagem da psicologia do séc. XIX; e restrita àquela estética histórico-cultural. Pois bem, a matéria assinada por José Castello limitou-se a análise enclausurada sob o estigma da homossexualidade ainda tomada como algo doentio. Seria injusto falar numa estética homossexual quando esta não pôde ser vivida na plenitude e sim na doença de seus inquisidores. Falar em literatura e limitar sua contribuição para a sexualidade humana é temerário; mas estigmatizar como apenas existente o parâmetro sócio-biológico da heterossexualidade é um absurdo. Em o “Bom Crioulo” usou-se a estética naturalista e biológica, não por existir uma estética homossexual, mas para reafirmar pontos das ideias vigente sobre ela: o caráter quase animal da sexualidade. Mostra-se apenas uma apropriação para trazer à tona a polêmica do tema. Falar em estética homossexual tem que ser feita por homossexuais. Citou-se, exemplarmente Arenas, mas ele não falava em viver a homossexualidade nas ruas escuras, nos parques; havia em Arenas a necessidade de manifestar sua sexualidade numa atmosfera castrista anti-gay, nada mais. E isto era impossível. Em Nova York sentiu a liberdade, mas não teve mais tempo. Falar em Literatura gay, ou estética homossexual e falar de escritores gays, escrevendo sobre suas experiências na literatura. Para falar em Literatura gay, devem-se analisar autores além dos estereótipos doentios, é falar de nós escritores que escrevem com a alma pacificada e o amor gay vivido em sua plenitude. Falar em Wilde suplicando perdão nos últimos suspiros é limitar a estética homossexual a um modismo infundado. A literatura gay existe porque existe o amor gay. A experiência de Gide é reveladora por conta de sua abordagem, mas se ele não vivesse na atribulação do medo e do pecado, sua Literatura, bem como as dos outros citados, suplantariam qualquer estética de conotação heterossexualtéria da edição agosto sobre a estética homossexual baseia-se no sofisma da homossexualidade como personagem da psicologia do séc. XIX; e restrita àquela estética histórico-cultural. Pois bem, a matéria assinada por José Castello limitou-se a análise enclausurada sob o estigma da homossexualidade ainda tomada como algo doentio. Seria injusto falar numa estética homossexual quando esta não pôde ser vivida na plenitude e sim na doença de seus inquisidores. Falar em literatura e limitar sua contribuição para a sexualidade humana é temerário; mas estigmatizar como apenas existente o parâmetro sócio-biológico da heterossexualidade é um absurdo. Em o “Bom Crioulo” usou-se a estética naturalista e biológica, não por existir uma estética homossexual, mas para reafirmar pontos das ideias vigente sobre ela: o caráter quase animal da sexualidade. Mostra-se apenas uma apropriação para trazer à tona a polêmica do tema. Falar em estética homossexual tem que ser feita por homossexuais. Citou-se, exemplarmente Arenas, mas ele não falava em viver a homossexualidade nas ruas escuras, nos parques; havia em Arenas a necessidade de manifestar sua sexualidade numa atmosfera castrista anti-gay, nada mais. E isto era impossível. Em Nova York sentiu a liberdade, mas não teve mais tempo. Falar em Literatura gay, ou estética homossexual e falar de escritores gays, escrevendo sobre suas experiências na literatura. Para falar em Literatura gay, devem-se analisar autores além dos estereótipos doentios, é falar de nós escritores que escrevem com a alma pacificada e o amor gay vivido em sua plenitude. Falar em Wilde suplicando perdão nos últimos suspiros é limitar a estética homossexual a um modismo infundado. A literatura gay existe porque existe o amor gay. A experiência de Gide é reveladora por conta de sua abordagem, mas se ele não vivesse na atribulação do medo e do pecado, sua Literatura, bem como as dos outros citados, suplantariam qualquer estética de conotação heterossexual.

Está crítica saiu na edição de setembro ( BRAVO! 145)

O vento frio e coisas com carinho; também um pouco de saudades e cucuz da mamãe

Um momento quase como esse de ar frio, envolto pelo cheiro familiar. Parece café com pão; pode ser o de milho cozido. Ao passo da batida, consigo a coreografia para a música; assim a caminhada se torna menos cansativa.

 

E também há a alameda, enquanto me aqueço com meu próprio corpo, meus braços cruzados; e ainda assim, as coisas continuam sem fazer sentido.

 

A música fala de imagens próprias; filmes talvez. Filmes de si. Penso que sejam pequenos flashbacks, como pequenas passagens daqueles filmes de erros que cometemos. E então, têm-se as flores do jardim do lado. Bem decorado; com todo o denodo de um artista apaixonado.  As flores fazem parte de um filme. Talvez seja sobre mim ainda.

 

 Ainda os flashbacks. E as flores vêm com o um cartão de desculpas pelo momento anterior. “Ontem, desculpe-me pela ousadia”. – Por que flores têm a ver com desculpas maiores?-, sempre as questiono dentro de meus pequenos filmes.

 

O passo é firme e não claudica, enquanto a música muda; quando a história parece culpar o outro. Nem sempre a culpa é algo palpável. Meu ódio era apenas das flores. – Que mau gosto!_ e as coisas pareciam rearranjadas como livros coloridos. E os filmes pequenos? Pois lá estávamos eu e as flores, e ele e suas desculpas. Eu não poso parar esse filme. Ele se repete sempre em minha memória.

 

E o cheiro recorrente de saudade desenha outra cena. O café com pão sobre a mesa da casa. Lá está mamãe a servir seu carinho e a comida juntos. Ela e seu amor por mim serviam a mesa. E tudo estava tão simples e perfeito. Era minha mãe.

 

E quando penso na existência de minha mãe, todas as coisas parecem perfeitamente repletas de sentido.

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Deuses Furiosos

Ele descansou sobre a rocha ainda com as asas feridas. O sangue vertia vermelho por entre as asas. Apoiou-se numa das pernas e impulsionou o corpo para cima. Voou mais uma vez.

As asas de Cassius batiam sem parar e ele parecia pairar sobre o ar. Jacinto alcançou-o de um só impulso e seu corpo musculoso atingiu Cassius violentamente.

Os dois se abraçaram e permaneceram no ar por alguns minutos. As asas de Jacinto eram menores e a envergadura das de Cassius imobilizaram os movimentos de Jacinto.  O abraço não podia ser desfeito, enquanto os dois caíam numa velocidade absurda. Os corpos pareciam apenas um, mas o corpo de Jacinto se vertia em dor e sangue.  Sua mente apagava lentamente e não podia mais controlar seus poderes a dor diminuía, ao mesmo tempo em que as asas encurtavam e sumiam nas suas costas.

Cassius soltou-o de encontro ao mar. Jacinto afundava ainda desmaiado enquanto o outro fazia o caminho de volta. Suas asas faziam sombras sobre as águas revoltas do mar.

As guelras começaram a apareceram espontaneamente e Jacinto gradualmente conseguia se mover…

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Entrega para Jezebel ( parte final)

O telefone tocou; o computador estava desligado e o interfone mudo. O telefone parou; o interfone tocou e o computador ainda desligado. O telefone, o interfone e o computador estavam sem vida; assim como Henrique sobre a cama.

Nada tinha a mesma importância para aqueles momentos mórbidos. Jezebel parecia completamente morta, enterrada talvez. E isso deixava Henrique sobremaneira preocupado.  “O que poderia ser de minha vida sem minha personagem?” Ele não acreditava que pudesse  ainda ser um grande show. Sua audiência sumiu por entre os convites que não foram mais enviados. Tudo estava sobre a mesa: as fitas vermelhas e a cera derretida não mais selavam os convites. Tudo estava sem vida; nem mesmo o valor das coisas passadas existiam naqueles meios de contato externo. Assim como ele, tudo estava sem sentido.

Pôs a música, mas não acreditava que pudesse dar vida, nem mesmo à poeira. A música vibrava o ar; seus músculos rijos continuavam estático ;o olhar ainda perdido na lâmpada inquisidora.

A música repetia o refrão, repetia: “o amor vem rapidamente, o amor vem rapidamente, o que quer que você faça, você não pode deixar de se apaixonar”. A música repetia, repetia.

O telefone tocou. Olhou o visor do celular. Era ele. “É ele!”, olhava ainda incrédulo para a mensagem que entoava uma música parecida com a que tocava. Os sons misturados davam vida àquele momento de inconstância sentimental. Ainda que quisesse se desvencilhar de Jezebel, sentia que ele não gostaria do Henrique. Mais uma vez apenas queria o sexo, não importava se Jezebel sumisse apenas naquele momento.

Atendeu ao telefone. Apenas disse alô. “Eu queria te ver de novo”, disse o outro em tom amistoso. Henrique hesitou.  A princípio desejou que fosse sincero, que fosse menos sexo, e mais qualquer outra coisa. Qualquer coisa. A música repetia: o amor vem rapidamente, o amor vem rapidamente…

[…]

A porta se abriu sem a urgência dos desejos disparados a léu. Tudo parecia calculado para alguma coisa diferente de tudo. Henrique esperava-o sentado no sofá. Trocaram dois, ou três cumprimentos.

“Queria ver Jezebel”, disse o outro sem conseguir mirar os olhos de Henrique. Estava em pé diante do sofá onde sempre não souberam controlar os bons modos. Sentou-se estático ao lado dele e esperou. Henrique se levantou. Doía aquele pedido, mais do que a vergonha que sentira naquele dia. Mas como sentia que sua submissão era mais forte do que seu próprio orgulho, deixava-se entregar pelo desejo imperioso do sexo. Apenas o sexo.

Ligou o som. A música era sua preferida. Jezebel estava pronta. Dançou como nunca antes, embora chorando. Talvez sentisse que fosse a última vez, ou que sua performance fosse a mais desastrosa. Dançou como nunca antes. Mas apenas dançou. Sentou-se sobre as pernas. Chorou. Levantou-se e terminou o show.

“Queria que você tirasse a roupa”, pediu ainda tímido. Henrique despiu-se. Não havia máscara desta vez, nem uma cor sequer. Era sua pele apenas; nua. Nem calcinhas, nem cueca entre suas nádegas.  Despiu-se de Jezebel.

Ainda chorando, derrotou-se pela humilhação da perda completa.  Não importava mais o sexo.

Ele se levantou do sofá e ajoelhou diante de Henrique. Tentou enxugar suas lágrimas com as pontas dos dedos.

– Você nunca entendeu que eu sempre quis você como agora; nada mais- disse ainda sem encará-lo.

 E finalizou com um beijo em seu rosto:

– Eu nunca entendi o porquê de Jezebel.

 

 

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Entrega para Jezebel (parte IV)

Hoje talvez Jezebel não devesse sair de casa. Talvez não tivesse existido. – Quem era Jezebel? – ele se perguntava naquele instante.

Sobre a cama olhando fixamente a lâmpada  pensava como ela surgiu.

[…]

Nada dava certo, nem mesmo a ajuda do amigo mais bonito. Todas as atenções centravam no amigo bonito, alto, forte. Tentou o café; fez cadastro num site de relacionamentos; mas não sabia entrar no ritmo de mentiras dos outros. Tinha seu próprio ritmo: a casa; o programa favorito de televisão; os amigos. Mas nada disso satisfazia um sentimento interno de possuir  alguém em especial.

– Mas quem seria esse alguém especial a querer minha especialidade? – ele também se perguntava. – E qual seria minha especialidade? – ele se perguntava diante do espelho. E a resposta sempre tinha a ver com a ignorância do outros. Eles ignoravam seu enorme coração e suas domésticas.

Eles não o viam como alguma coisa perto dos desejos comuns. Era baixinho, quase uma bonequinha de porcelana. – Sua boquinha de princesa não parece comportar meu soldado de chumbo ­ –, comentou certa vez um de seus admiradores. – Princesa, eu? – perguntou-se acreditando numa espécie de resposta reveladora. Era tão frágil quanto essas coisinhas de porcelana. Poderia ser uma princesa; podia ser algo de contos de fada. Poderia ser apenas um papel no imaginário daqueles homens maiores, mais fortes. E se caísse nos braços de um príncipe, poderia viver a vida de borralheira  ao lado do homem especial.

Partiu, então, desta ideia idiota de tornar-se uma personagem. Na primeira vez usou a cueca separando sua nádegas, imitando uma lingerie feminina. Usou uma, duas, três vezes com o mesmo parceiro. Gostava de imitar um desejo de uma fêmea servindo seu macho num ritual de acasalamento; e este sentimento alcançava a maior parte desses homens  meio-homens.

Uma vez, duas vezes, três vezes como todos os outros e sempre havia espaço para a fêmea reprimida. Podia assim beijar profundamente sem ter que sentir a repulsa natural de seu cheiro de homem; assim disfarçava qualquer intenção do outro em decifrar aqueles toques delicados naquele corpinho de homem fragilizado. Mas Jezebel surgia como mulher poderosa; ela dominava a situação. Nada poderia suplantar a condução dos sentidos de Jezebel, pois ela sabia onde e quando fazer o prazer acontecer.

Jezebel usou o vestido vermelho pela primeira vez. Já não era mais a cueca metida entre as nádegas. Era uma bonequinha de boca macia e pele que imitava o cheiro de fêmea em cio. Sua atuação demorou até aquele pensamento fixo: – Quem era Jezebel? – suspirou para a luz.

 

Continua…

 

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Entrega para Jezebel

A porta estava entreaberta. Ele entrou como de costume. Nunca precisou de cerimônias, tampouco mascarava seu desejo por Henrique. De fato, nunca Jezebel havia aparecido para ele. Pois ele gostava de Henrique do jeito que ele era.

Mas quem o recebeu foi Jezebel.  A calcinha toda enfiada na bunda e os trejeitos femininos. Os olhos fechados tateando o espaço vazio do sofá.

– Mas o quê é isso?- perguntou ele meio envergonhado. Jezebel não sabia onde colocar seu personagem. Havia esquecido a fala. Certo pudor tomou-lhe de conta. Sentou sobre os joelhos e pôs-se a chorar

A porta bateu  e Jezebel estava sozinho.

[…]

Não havia consenso entre eles, pelo menos no que dizia a respeito sobre o amor. Não havia amor. Mesmo que Henrique não fosse Jezebel, o interesse do outro era apenas sexual. Eles se bastavam quando decidiam ficar um com outro. Geralmente não tinha diálogos; tudo perfeitamente solucionado pelo momento do gozo. E Jezebel, ou melhor, Henrique não enxergava o amor nos outros. O contrato tácito, assumido na premência do toques sôfregos do computador estatizava sempre que não deveria haver algo além do sexo. Estavam proibidos.

De fato, ele entrava sempre. Adquiriu certa liberdade por usucapião do corpo de Henrique, porque este se deixava usufruir. Não se preocupava com o seu poder de sedução.

Havia sido decepção a cena dele vestido de mulher? Será que era isso que ele desejava intimamente?  Decerto, os dois não sabiam.

Henrique pensava consigo mesmo. Sentado ainda sobre os joelhos, chorava para entender seu sofrimento. – Era o quê- se perguntava. Ajeitou a saia apertou o botão  e mirou o aparelho de DVD. A música começou. Levantou-se. Pensou na importância das palavras. “ Como são importantes as palavras!” E naquela noite dançou, rodopiou com sua saia e dançou  até a exaustão.

Continua

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Entrega para Jezebel ( parte 2)

            O interfone tocou. Ainda estava enxugando seu rosto da última gozada. Inquietou-se. À porta, bateram. O interfone tocou novamente. Bateram na porta mais uma vez.

             Inquietou-se. Ele não sabia o que fazer. À porta deveria ser qualquer pessoa com mais intimidade, pois teve acesso sem muitas restrições. Já ao interfone, não sabia quem poderia ser. Ontem à noite havia passado horas na internet. Os toques eram sôfregos pela procura do prazer adequado. As limitações eram claras: nada de homens muito fraquinhos, que passassem as noites sob telhados. Nada destes homens de unhas pintadas e bem desenhas. Tudo menos isso. Adorava os homens maiores, bem grandes; grandes formas; grandes expectativas. Esses sim tinham seu apreço.

             As fotos pululavam no seu computador intensamente. Todos os tipos. Não tinha como selecioná-las. Seu apelo podia atingir qualquer um. A mensagem era explícita: “grandes prazeres com a pequena Jezebel”. Era assim que chamava a atenção dos homens. Todos eles. E, também por isso, vinham todos.

             “Não curto esses tipos pequeninos, com muito pouco a dar”. Revoltou-se. Com seus dedos pequenos dava vazão à velocidade de sua destreza vernacular. Ainda que percebesse a perda de tempo em respondê-lo, sempre se irritava com tais provocações. Até porque, causava-lhe certo interesse sexual por estes mais difíceis. Esses lhe proporcionavam mais prazer por conta de sua capacidade de convencê-los do contrário. Pensava consigo que em todo o homem havia aquele desejo mais recôndito de curiosidade; ou mesmo que esse desejo se mascarasse em superioridade, sempre um ou dois drinks revelariam a verdadeira fonte de prazer.

             Ele tentava, às vezes por horas, convencer de que poderia completar a necessidade de qualquer homem. Perdia seu tempo, mas não a paciência com dois ou três desses tipos. Conseguia manejar duas ou três personagens ao mesmo tempo. E nunca perdia o tempo dessas falas. Sempre estava pronto. Nenhuma solicitação ficava triste. Tinha sempre a fala e a foto para qualquer desejo. Não raro, perdia-se num jogo de voyeurismo. Mas não tinha fim, era somente aquele prazer do outro; não do seu em si. Mas daquela satisfação do rosto alheio em meio a rápidos toques; rápidas imagens; pensamentos sujos; performances solitárias; sedução virtual e ausência de sincero retorno.

             Mas o que lhe dava prazer era a pequena Jezebel. Ela, no entanto, nunca era virtual. Recusava-se a deixá-la ser virtual. Seu jogo de sedução e prazer era sempre real: luzes, cortinas e suave maquiagem. Ela nem sempre atuava. Mas quando atuava, deveria ter uma preparação.

             E o interfone não parava de tocar. À porta, desistiram de bater. Ouviu-se o barulho distante de passadas descendo as escadas. Ele deixou o interfone tocar mais uma vez. Correu para a pequena varanda da suíte e pode vislumbrar, pelo reflexo dos espelhos da fachada dos vizinhos, o corpo que se distanciava na imagem: era o soldadinho. Apaziguou a alma. Aquele viria, decerto, mais vezes, outras vezes.

             De um pulo alcançou o interfone:

            – Alô, pode subir, disse apressadamente. Pôs o fone no gancho, correu para o quarto. Jezebel precisava  de chita limpa.

 

                                                                                                                      …Continua